28 de maio de 2020
BLOG Agenda 2030: Comunicação e Engajamento

A covid-19 e sua relação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

 

Em exatamente dez anos para a conclusão da Agenda 2030, o mundo enfrenta uma crise causada pela covid-19, doença infecciosa que, até a última semana de maio deste ano, já matou mais de 340 mil pessoas no planeta. Para conter o avanço da doença, as nações precisaram adotar medidas de isolamento social, e cidadãos de todo o mundo foram confinados em suas casas. Empresas fecharam suas portas físicas e suspenderam seus negócios. A situação desencadeou mais que uma crise de saúde global, mas também crise social, econômica, sanitária, ambiental e política.

A pandemia provou uma realidade assustadora: ainda falta muito para se alcançar, de fato, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) propostos pela ONU. Por outro lado, a empatia, união e cooperativismo que temos presenciado pelo mundo entre as pessoas e empresas geram a certeza de que aquilo que torna humana a humanidade é a chave para uma sociedade mais justa, inclusiva e segura, bem como da esperança por um mundo melhor, com todos os ODS alcançados.

Neste artigo, tento relacionar o atual momento de pandemia com os ODS, reforçando as necessidades que temos como sociedade, não como forma de desestimular a busca por soluções, mas para apontar os ODS como bússola que guia nossas ações. Ao final, depois dos questionamentos, uma esperança: o ODS17.

Poluição do ar é um agravante

A covid-19 é uma doença causada por um coronavírus, uma família de vírus que causam infecções respiratórias. De acordo com a OMS, cerca de 20% dos casos podem requerer atendimento hospitalar por apresentarem dificuldade para respirar e, desses, aproximadamente 5% podem necessitar de respiradores artificiais para tratamento de insuficiência respiratória. Devido a essas características da covid-19, idosos e pessoas portadoras de doenças crônicas (diabetes, hipertensão, asma) ou com problemas respiratórios formam os grupos de risco da doença.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), problemas respiratórios têm aumentado no mundo todo durante as últimas décadas, e a poluição do ar é o principal causador dessa alta. Aqui é até possível provocar uma reflexão sobre a poluição atmosférica ser, inclusive, um agravante para os casos de covid-19. O questionamento é apontado, por exemplo, em um estudo realizado pelas Universidades de Aarhus, na Dinamarca, e de Siena, na Itália. A Itália foi um dos países mais impactados pela doença e, de acordo com a pesquisa, as regiões mais afetadas do país são justamente as que vivem em um maior nível de poluição do ar, que poderia levar uma série de complicações àquela população.

A problemática da poluição atmosférica foi o tema oficial das discussões no Dia Mundial do Meio Ambiente de 2019, sediadas na China. Na ocasião, foi apresentado um relatório da ONU com informações relevantes sobre a situação do planeta e da poluição do ar. De acordo com o documento, aproximadamente 7 milhões de pessoas morrem prematuramente devido às consequências da poluição atmosférica. Crianças e idosos (estes pertencentes ao grupo de risco da covid-19) são os públicos que mais sofrem.

Já no Brasil, de acordo com a OMS, a poluição do ar causa a morte de mais de 50 mil pessoas por ano, e esse é um dos principais desafios de saúde pública do país. Nos próximos anos, conforme projeção do Instituto Saúde e Sustentabilidade, da USP, a poluição atmosférica será responsável por cerca de 256 mil mortes, sendo 25% apenas na capital paulista. São Paulo é o maior centro urbano do país – com mais emissões de gases poluentes e, também, com mais vítimas da covid-19.

A poluição atmosférica está diretamente relacionada às mudanças climáticas, devido às emissões de gases de efeito estufa, e por isso o ODS13 (ação contra a mudança global do clima) é fundamental para a saúde do planeta e para reduzir impactos na saúde das pessoas.

A população pobre é a que mais sofre

Por ser uma situação de pandemia, o momento relaciona-se intimamente com o ODS3 (saúde e bem-estar), mas não é novidade quando cientistas e especialistas publicam pesquisas indicando que populações mais pobres são as mais afetadas por doenças como a covid-19. Um estudo realizado pelo Imperial College, de Londres, instituição de referência em medicina, por exemplo, aponta as camadas mais pobres da população global como as mais atingidas pela doença. Segundo o estudo, a taxa de mortalidade entre as pessoas que não têm acesso a hospitais e a recursos como água e sabão para higienizar as mãos e um local seguro que permita o isolamento social é 32% mais alta.

Os órgãos de saúde, como a OMS, fazem duas recomendações principais para prevenção da covid-19: que as pessoas lavem bem as mãos e que adotem o isolamento social. Entretanto, uma pesquisa de 2019 da própria OMS, junto ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), revela que 1 em cada 3 pessoas no mundo – ou cerca de 2,2 bilhões de pessoas – não tem acesso a água potável. Além disso, 4,2 bilhões de indivíduos não têm acesso a esgotamento sanitário seguro. A pesquisa das duas agências também afirma: “3 bilhões de pessoas não possuem instalações básicas para lavar as mãos de forma adequada”. Para esses indivíduos, a covid-19 se torna muito mais grave, pois já estão submetidos a riscos de doenças como diarreia, cólera, febre tifoide, hepatite A, esquistossomose e outras. Ou seja, o ODS6 (água potável e saneamento para todas as pessoas) é essencial para diminuir o impacto causado por pandemias como a de covid-19.

A outra recomendação para controle da pandemia é o isolamento social, para o qual é necessária moradia adequada. De acordo com informações de 2017 do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), “1,6 bilhão de pessoas vivem em moradias inadequadas, das quais 1 bilhão vive em favelas e assentamentos informais”.

Nessas habitações, serviços básicos como saneamento, segurança, educação e cuidados de saúde costumam ser extremamente limitados. E cerca de 40% do crescimento urbano mundial ocorre em favelas, segundo relatório divulgado na Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável de 2016 (Habitat 3). O relatório ainda aponta que as taxas de doenças e de morte prematura são consideravelmente mais altas entre moradores de favelas e assentamentos informais.

Em São Paulo, maior cidade brasileira em população e em número de infectados e mortos pela covid-19, os casos da doença têm aumentado significativamente nas periferias. Regiões onde há favelas, cortiços e assentamentos informais são os mesmos locais que apresentam mais mortes registradas, segundo dados divulgados pela Prefeitura. Em entrevista coletiva, o prefeito da cidade, Bruno Covas, afirmou que a epidemia se iniciou na área central – e mais rica – da cidade, mas se espalhou com mais gravidade na periferia. Aqui, reiteramos a importância do ODS11 (cidades e comunidades sustentáveis), cuja primeira meta é “garantir o acesso de todos a habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas”.

E apesar do sentimento de “todos estarem no mesmo barco”, a covid-19 expõe a realidade da desigualdade socioeconômica, e ao concluirmos que a pandemia é mais perigosa para os mais pobres, entendemos que o ODS1 (erradicação da pobreza) precisa ser alcançado para que a sociedade global esteja mais protegida e preparada para lidar com situações de crise como essa que estamos vivendo.

A mortalidade é pior entre os negros

A precarização de serviços básicos nas favelas e periferias, contudo, relaciona-se a outras questões de desigualdade social, como o racismo estrutural presente nas sociedades globais. No Brasil, onde houve escravização do povo negro por quatro séculos, e com seu fim oficial há apenas 130 anos, o racismo estrutural é uma realidade bastante infeliz e que precisa ser apontado, discutido e combatido. No Mapa da Desigualdade 2019, lançado pela Rede Nossa São Paulo no final do ano passado, é possível observar alguns indicadores: a concentração da população negra se dá majoritariamente nas regiões periféricas, que chega até 60% (quase o dobro da porcentagem de moradores da cidade autodeclarados pretos ou pardos), enquanto a região central possui os distritos com menos negros, como pode ser observado nessa reportagem.

Voltando à entrevista coletiva dada por Bruno Covas, o prefeito de São Paulo afirma que a doença começou na região central mas se espalhou com mais gravidade na periferia. Com o cruzamento dessas informações é possível concluir que, no recorte da cidade de São Paulo, a população negra é a mais afetada pela covid-19. Essa afirmação é comprovada por estudos científicos, como o realizado em parceria entre o grupo de cientistas Observatório Covid-19 e a Prefeitura de São Paulo. A análise científica das mortes registradas até 17 de abril na cidade aponta que pretos e pardos têm uma chance de 62% e 23%, respectivamente, maior de morrer por covid-19 que em relação a brancos. E isso não acontece só em São Paulo. Outros estudos apontam que, apesar da doença não fazer distinção de cor da pele de suas vítimas, a mortalidade é maior na população negra, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, devido à desigualdade histórica de índices sociais, econômicos e de acesso à saúde. Nesse contexto, reafirmamos a necessidade de se alcançar o ODS10 (redução das desigualdades), para “empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, sexo, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra”.

Aumento da violência doméstica

Outro problema que tem se agravado com a situação de isolamento social é a violência doméstica, sobretudo contra a mulher. Segundo dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), houve um aumento de mais de 50% no número de denúncias desde o início do isolamento social no Rio de Janeiro. Contudo, assim como os casos de covid-19, a violência doméstica é subnotificada. De acordo com especialistas, muitas mulheres não denunciam a situação de violência, principalmente por medo ou por dificuldade em identificar as agressões psicológicas que podem levar à agressão física e ao feminicídio.

Governos do mundo todo relatam aumento das denúncias de violência doméstica durante o isolamento social, e essa é uma das preocupações da ONU Mulheres, pois as vítimas, além da situação, nesse momento, de muita ansiedade e tensão, estão afastadas de suas redes de apoio e tendo que conviver constantemente com seus possíveis agressores. A violência contra a mulher, apesar do aumento preocupante durante a pandemia de covid-19, é uma realidade que precisa ser transformada, e por isso a Agenda 2030 conta com um ODS específico para esse tema: o ODS5 (igualdade de gênero), que visa acabar com todas as formas de discriminação e violência contra mulheres e meninas, empoderando-as.

Educação para todos?

Com o isolamento social, as escolas foram fechadas e as aulas, suspensas. Em todo o mundo, segundo dados da ONU, 9 em cada 10 estudantes estão temporariamente fora da escola em resposta à pandemia. Uma solução encontrada pelos governantes, no Brasil, foi o oferecimento do ensino à distância (EaD). Com a tecnologia disponível atualmente, a educação na modalidade EaD tem sido cada vez mais uma realidade presente na sociedade. E isso é ótimo. Mas se for realizado com planejamento, qualidade e acessibilidade. O ODS4 (educação de qualidade) prevê “assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”.

Infelizmente, internet e equipamentos como computadores são acessíveis apenas a uma parte da população. De acordo com levantamento de 2018 feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apesar do aumento em comparação a pesquisas passadas, 25,3% da população do país com 10 anos ou mais de idade não têm acesso à internet. Isso representa um quarto dos brasileiros.

Outra questão do fechamento das escolas é em relação à alimentação. Muitas crianças de baixa renda encontram na merenda escolar sua única refeição diária, e podem acabar ficando sem ela. Garantir alimentação nutritiva para todas as pessoas, ainda mais em tempos de pandemia, devido à baixa imunidade que a subnutrição causa, deve ser uma das principais preocupações da sociedade. Como medida paliativa, alguns governos e prefeituras do país, cientes dessa realidade, passaram a oferecer um “vale-merenda” a famílias de baixa renda que ficaram sem a refeição nas escolas. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhorar a nutrição são temas inclusos no ODS2 (fome zero e agricultura sustentável).

Como fica a economia?

Para frear a disseminação do coronavírus, empresas foram incentivadas a adotarem o home office o quanto for possível. Essa situação muda as relações de trabalho e antecipam realidades previstas, até então, para um futuro um pouco mais distante. A conectividade permite que várias empresas consigam continuar com pelo menos parte de suas operações.

Mas esse é um grande desafio para pequenos negócios. Muitas empresas, microempreendedores e profissionais autônomos não têm estrutura ou recursos para o trabalho à distância, ou essa possibilidade é impossível para o tipo de negócio realizado. Profissionais foram demitidos, afastados ou tiveram seu salário reduzido. É uma situação complicada para o pequeno comércio ou prestadores de serviço, para o pedreiro, para a faxineira, e tantos outros profissionais e empresas.

De acordo com uma pesquisa do Sebrae divulgada no início de maio, 89% dos pequenos negócios declararam que o seu faturamento mensal caiu e estão operando com uma receita 60% menor que no período pré-crise, e a situação só não está pior graças ao auxílio emergencial liberado pelo governo e pelas diversas iniciativas realizadas em prol dos pequenos negócios.

Tanto as condições e relações de trabalho quanto o desenvolvimento econômico das empresas estão relacionados ao ODS8 (trabalho decente e crescimento econômico), que visa “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho decente para todos”.

Nossa esperança: parcerias e meios de implementação

Até aqui, falei dos principais agravantes da crise global que vivemos com a pandemia de covid-19. A minha intenção foi convidá-lo à reflexão sobre como os ODS estão interligados com nossa realidade e sobre a importância de implementarmos a Agenda 2030. E temos mais 10 anos para sua conclusão.

Esses agravantes aqui apresentados são sérios e importantes, mas há um outro lado dessa moeda que observamos diariamente, seja como Ideia Sustentável ou como qualquer outra empresa signatária da Rede Brasil do Pacto Global. São as boas práticas e ações realizadas por instituições públicas, privadas e do terceiro setor para aliviar o impacto causado pelo coronavírus.

Várias empresas, com o apoio de líderes engajados, têm colocado o seu propósito acima do lucro e utilizado de sua expertise em prol da sociedade. Grandes corporações têm ajudado as médias e pequenas empresas a sobreviverem. Grupos empresariais têm realizado doações de alimentos e produtos de higiene a centros de saúde e comunidades carentes. Cervejarias e perfumarias estão produzindo álcool em gel. Concorrentes uniram esforços para oferecer serviços de apoio à população. Companhias de tecnologia liberaram acesso gratuito a suas ferramentas. Empresas têm consolidado parcerias para a construção de hospitais para a rede pública, além da compra e fabricação de respiradores artificiais e máscaras. Funcionários estão se mobilizando voluntariamente em campanhas para apoiar profissionais de saúde. Esses são alguns exemplos de ações que nos renovam a esperança. Algumas dessas iniciativas podem ser conferidas no Radar de Sustentabilidade da Ideia Sustentável, no Pacto contra a Covid-19, do Pacto Global, e em diversos veículos de comunicação, sites e blogs que estão divulgando essas boas práticas.

Nas inúmeras discussões e conversas com lideranças engajadas, é unânime a afirmação de que o período pós-coronavírus será um tempo de um “outro normal”, em que a importância da sustentabilidade será fortalecida, e os negócios serão muito mais responsáveis, éticos, transparentes, sustentáveis, inclusivos e humanizados. A crise do coronavírus realmente está mudando a forma de se pensar e fazer negócios, e, no final, o bem sempre vence.

O ODS17 (parcerias e meios de implementação) ganhou total relevância nesse contexto, e a experiência revela que é possível, sim, instituições e pessoas se juntarem e oferecerem aquilo que podem fazer por uma causa maior. E se após tudo isso realmente for um período de “outro normal”, em que a sustentabilidade é a nova regra, que as instituições continuem, com a mesma energia e dedicação conferidas ao combate da covid-19, se unindo e formando parcerias para alcançarmos, juntos, todos os ODS da Agenda 2030.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Marcos Cardinalli

Marcos Cardinalli é jornalista e administrador, com MBA em Marketing. É coordenador de Comunicação na consultoria Ideia Sustentável e membro da Comissão de Engajamento e Comunicação da Rede Brasil do Pacto Global.

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