06 de fevereiro de 2017

Ricardo Sennes: “Quando o judiciário se torna ator político”

Ricardo Sennes

A atual crise política está trazendo à tona a discussão sobre os limites da atuação política do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal. A sociedade assiste perplexa o avanço dessas instituições sobre as atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo.

Segundo definição clássica, o Judiciário é um poder inerte. Ele só age por provocação de outro poder ou agente social com delegação para tanto e seus julgamentos devem primar pela mediação isenta e comedida. Para garantir-lhe independência, na maioria dos países, seus membros são escolhidos dentro das carreiras pelo critério da meritocracia. A única exceção costumam ser as indicações para as supremas cortes feitas pelo presidente da República e ratificadas pelo Senado, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos.

Por não se tratar de um poder democrático, o Judiciário e as agências que o auxiliam são isolados da atividade política. Não representam nenhuma ideologia ou interesse e, em contrapartida, não são cobrados por isso. É justamente essa atuação não política que o reveste de isenção para julgar de forma independente e com base nas leis que a sociedade aprovou.

Por várias razões – que valem a pena serem revisitadas nas pesquisas de especialistas como Rogério Arantes e Maria Tereza Sadek – o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal não têm cumprido esse papel. Eventos recentes têm indicado a intenção de associar a eles funções políticas.

O ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, em palestra gravada e transcrita pelo programa Brazil do Wilson Center em Washington, defendeu, ainda que não com essas palavras exatas, que o STF deveria ter um papel moderador. Ele está convencido de que os Poderes Executivo e Legislativo, democraticamente eleitos no país, precisam ser tutelados pela suprema corte da qual, por acaso, ele faz parte.

O que poderia ser apenas uma opinião está se tornando um ativismo efetivo. Os ministros passaram a dar entrevistas sobre diversos temas políticos, antecipar votos, além de contrapor e ofender seus próprios colegas nos meios de comunicação. Em nome da “moralidade”, recentemente alguns também passaram tomar decisões monocráticas em relação a outros Poderes.

Em outro exemplo, numa mal disfarçada retórica, o ministro Marco Aurélio chegou a argumentar que estava ouvindo “ a voz do povo” ao tomar sua decisão. É irrelevante se o povo está ou não demandando ações em um tema ou outro. Juiz não responde ao “povo”, não o interpreta, não o representa. Juiz está voltado à Constituição e às leis. Apenas.

Mas na mesma linha, é lastimável que o Ministério Público encampe bandeiras, qualquer uma que seja, utilizando-se de sua infraestrutura, como no caso das dez medidas contra corrupção. Uma sequência de distorções e abusos inadmissíveis se seguiu: colocaram uma faixa no muro da sede em Brasília, movimentaram recursos públicos para coletar assinaturas e, como se não bastasse, passaram a negociar com deputados os termos da proposta de lei. .

Outra afronta sistemática ao estado de direito no país são os vazamentos seletivos e planejados de documentos, gravações e transcrições de depoimentos. Por estarem fazendo suas atividades de maneira brilhante, alguns iluminados decidiram se arrogar o direito de manipular informações privilegiadas e sigilosas em favor de causas próprias. Eles estão convictos que podem transgredir regras, normas e leis para defender regras, normas e leis.

Aqueles que hoje comemoram e apoiam que o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal sigam nesse caminho por estarem de acordo com as bandeiras defendidas, terão dificuldades quando essas mesmas instituições passarem a defender bandeiras contrárias aos seus interesses. Pior ainda: pensem em um cenário onde esse grau de independência e de liberdade de atuação política e discricionária que dispõem– como poder, recursos financeiros e de investigação –, simplesmente saírem de controle. Imaginem vários pequenos grupos dentro dessas instituições brigando entre si para ver quem consegue impor à sociedade suas bandeiras ou predominar a agenda pública. Prefiro não imaginar.

Ricardo Sennes é sócio diretor da Prospectiva e especialista em cenários políticos e econômicos, formulação e implementação de políticas públicas e avaliação de seus impactos nas empresas. Possui experiência em políticas industriais e de fomento e inserção internacional. É doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP. Atualmente é parceiro não residente do programa latino americano do Atlantic Council e membro do Conselho de Assuntos Estratégicos da FIESP e do Conselho da Revista Foreign Affairs (México e EUA).

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