12 de setembro de 2016

Ricardo Sennes: “Políticas públicas que deram certo precisam mudar”

Ricardo Sennes

  

Há um certo consenso no Brasil dos avanços gerados por políticas públicas promovidas com relativa continuidade e coerência nos últimos 20 anos. Os melhores resultados podem ser vistos na educação, na saúde e no combate à pobreza, por meio da transferência direta de renda. Ao atingir parte dos objetivos quantitativos propostos, é preciso então que elas sejam recauchutadas, agreguem novas metas de qualidade e eficiência. Podemos dizer que a boa política pública é aquela que tem data para mudar de fase ou ser substituída.

No caso da educação, merecem destaque indicadores quantitativos do ensino básico e médio. Este ano foi a primeira vez na história que mais de 50% dos jovens completam o ciclo básico na idade correta. A taxa de conclusão no ensino fundamental passou de 65,4% em 2004 para 81% em 2015. Além disso, a média de anos de estudo para cidadãos até 25 anos passou de 5,6 em 1998 para 7,8 em 2014. Já em relação aos alunos matriculados em ensino superior, o número passou de 2,7 milhões em 2000 para 7,8 milhões em 2015. Ainda que esses dados escondam fortes assimetrias, são inequívocos em apontar conquistas importantes no setor.

Em saúde, o avanço foi igualmente relevante. A expectativa de vida do brasileiro saltou de 69 anos em 2000 para 75,5 anos em 2015. Como resultado de massivas campanhas de vacinação, doenças como paralisia infantil, tuberculose, entre outras, foram eliminadas quase por completo. Houve também a ampliação do atendimento por médicos da família, assim como a organização de um sistema de emergência à acidentes – o SAMU – de forma bastante eficiente. Por fim, o Brasil é referência no tratamento de AIDS.

Iniciada nos anos 90 e ampliada nos 2000, as várias versões de políticas de transferência direta de renda foram responsáveis por tirar da miséria mais de 25 milhões de pessoas e por praticamente erradicar a pobreza extrema no país. Como efeito, o índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, caiu de 0,607 em 1990 para 0,49 em 2014, enquanto o IDH subiu de 0,590 para 0,744 no mesmo período. Com esses resultados, é difícil não reconhecer o sucesso da iniciativa, tanto do ponto de vista social e humanitário como econômico.

As políticas citadas precisam ser alteradas justamente porque atingiram seus objetivos, ou parte significativa deles, sendo a próxima etapa a passagem de metas quantitativas para metas qualitativas. Mas o que parece ser apenas uma diferença semântica exige uma revolução do ponto de vista de estratégia e de instrumentos. E é essa revolução que boa parte da opinião pública espera do governo e dos principais executivos do setor público.

A fase quantitativa é marcada pelo papel central empenhado pelo governo federal, pelo predomínio de estratégias horizontais e semelhantes para todo o país, pela garantia de recursos e pela articulação entre uma elite de gestores públicos com acadêmicos e ONGs para garantir apoio e certa blindagem de suas estratégias. Para atingir metas qualitativas de eficiência, o engajamento das demais unidades da federação passa a ser crucial, assim como a capacidade de definir estratégias adequadas a cada região ou cidade. Também serão necessários centenas de gestores, políticos e líderes comunitários para fazer valer o cumprimento dos novos objetivos. O desafio é gigantesco.

Um ponto de partida importante é que os líderes da primeira fase são unânimes quanto à necessidade de mudanças com foco em qualidade. Por conta do sucesso obtido, esses líderes contam com razoável reconhecimento de suas comunidades, de parte da mídia e dos políticos. Entretanto, terão que se rearticular – e se apoiar cada vez mais em lideranças da sociedade – se quiserem ser também bem-sucedidos na fase que se avizinha.

Alguns arriscam a dizer que a primeira fase dessas políticas foi a fase “fácil”. Afinal, além de termos partido de patamares muito baixo (para não dizer vergonhoso), ela pôde ser gerida centralmente. Acho que seria subestimar essas conquistas que, apesar de ainda serem muito parciais, continuam sendo conquistas.Não é sempre que se pode pedir mudanças em políticas públicas por elas terem sido bem-sucedidas. Ainda mais no Brasil.

 

Ricardo Sennes é sócio diretor da Prospectiva e especialista em cenários políticos e econômicos, formulação e implementação de políticas públicas e avaliação de seus impactos nas empresas. Possui experiência em políticas industriais e de fomento e inserção internacional. É doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e coordenador geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da USP. Atualmente é parceiro não residente do programa latino americano do Atlantic Council e membro do Conselho de Assuntos Estratégicos da FIESP e do Conselho da Revista Foreign Affairs (México e EUA).

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