29 de junho de 2016

Gerir a imagem das organizações na imprensa ainda é imprescindível

Luís Humberto Rocha Carrijo*

 

Os órgãos de comunicação, mimetizados à condição de prestadores de serviço público, ganham dimensão de poder na medida em que, por meio do discurso jornalístico, definem rumos da política, tornam-se formadores de opinião pública, construtores do senso comum e condutores da vida social. Um dos mais emblemáticos e históricos episódios dessa capacidade de interferência aconteceu, em 1898, nos Estados Unidos. O correspondente de guerra e escritor Phillip Knightley conta em seu livro “A Primeira Vítima” que o proprietário do New York Journal, William Randolph Hearst, acreditava que seu país deveria ajudar os rebeldes cubanos na guerra civil contra a Espanha que se desenrolava havia já dois anos.

Seu maior interesse não repousava nas causas dos insurgentes, mas no aumento da circulação de seu jornal que a intervenção militar promoveria, porque desde aquela época a guerra já atraía o interesse dos leitores. Ele fez de tudo para inflamar a opinião pública norte-americana. Até enviou o artista Frederic Remington para transmitir visualmente o que Richard Harding Davis fizera com as palavras, noticiando as lutas dos revolucionários pela independência da ilha caribenha.

A troca de telegramas entre o dono do jornal e o ilustrador expõe os objetivos mercadológicos, que se antecipam aos interesses editorialísticos, e o alto grau de confiança do New York Journal – que tomamos como amostra dos veículos de comunicação -, como formadora da opinião pública e como determinante para os rumos da política: “Tudo está tranquilo, não há problemas aqui. Não haverá guerra. Quero voltar.” Hearst responde: “Favor ficar. Você providencia os desenhos. Eu providenciarei a guerra.”

Extraio essa passagem da obra de Knightley para lembrar ou reforçar o quão categórica ainda é a imprensa na conformação de nossa visão de mundo, de nossos valores e da opinião que temos sobre pessoas e organizações. Negligenciar esse poderoso meio com força e instrumentos para formatar conceitos individuais e coletivos pode ser suicídio social ou empresarial. Tomemos também o exemplo do médico Roger Abdelmassih, que foi desmistificado pela própria imprensa que o enaltecera como o papa da reprodução assistida. O jornalista Vicente Vilardaga, em seu livro “A Clínica”, relata o protagonismo da narrativa da imprensa sobre a pendular trajetória do médico.

É ingenuidade pensar que a chegada da era digital, que viabilizou o aparecimento de vários canais diretos de comunicação com os stakeholders, relativizou o mais tradicional e influente meio de produção e difusão de notícias que existe em nível global. Não importa em qual plataforma de mídia se dê: seja no impresso, na versão digital, no serviço de informação em tempo real ou pelas redes sociais, como o Instant Articles do Facebook. A imprensa é o canal que leva o que de mais importante acontece no mundo em todas as áreas, de maneira simultânea a distintas audiências, que hierarquiza os temas de discussão, cria percepções, dá legitimidade social e reconhecimento do mercado. Ser notícia positiva dilata a versão de seus porta-vozes e constrói o senso comum, conceitos que são posteriormente reproduzidos pelos eficientes líderes de opinião. Os sociólogos Elihu Katz e Paul Lazarsfeld atestaram que em todo grupo há um influenciador, aquele que assume muitas vezes instintiva e inconscientemente a responsabilidade por interpretar os fatos apresentados pela mídia e propagar sua leitura dentro de sua comunidade.

Como explicar então a pesquisa de confiança realizada pela Edelman Significa, em dezembro de 2015, que concluiu que os esquemas de corrupção amplamente divulgados pela imprensa não conseguiram chamuscar a credibilidade dos CEOs? O estudo mostrou que os atos criminosos denunciados e amplificados pela imprensa não respingaram na imagem dos executivos nas mesmas dimensões com que afetaram os governos e os políticos. Das mil pessoas entrevistadas no Brasil, 64% disseram que as empresas inspiram confiança, 58% que seus gestores ainda merecem créditos contra apenas os 21% que confiam nos agentes públicos.

Se a imprensa tem tanta capilaridade e influência assim, como os níveis de confiança da população nos empresários continuaram saudáveis? O paradoxo fica ainda mais nebuloso quando sustentado por outros estudos. O primeiro, elaborado em 2015 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresenta dados, coletados a partir da análise qualitativa de investigações de casos de corrupção no Distrito Federal, que revelam que 30,28% dos réus eram empresários e apenas 9,17% eram servidores públicos.

Já a recente pesquisa “Ética Empresarial Global” da Ethics & Compliance Iniciative apontou que o Brasil é o segundo no ranking de corrupção empresarial. O instituto norte-americano avaliou que o ambiente empresarial em nosso país possui maior probabilidade de práticas de má conduta do que em outros lugares do mundo. Vista do exterior, a corrupção brasileira também é alta. A colocação do país foi a que mais sofreu deterioração, em 2015, juntamente com o montanhoso e quase desconhecido Lesoto, conforme índice organizado pela entidade Transparência Internacional.

Apesar de não terem sido elencadas pelo CEO da Edelman Significa e da Zeno, Yacoff Sarkovas, como explicação para a credibilidade das organizações ter saído ilesa na pesquisa da agência, a despeito de estarem envolvidas até o pescoço nos escândalos, duas importantes variáveis foram ignoradas: o viés da cobertura jornalística e a efetividade do trabalho dos comunicadores nas organizações.

Ainda seria preciso uma análise acadêmica e uma pesquisa qualitativa para apurar melhor tal hipótese. Mas considerando que a percepção depende da corrupção observada, e não da corrupção efetiva, como bem assinalou o professor do Insper, João Manoel de Mello, em artigo publicado no on-line da “Exame”, arrisco dizer que a seletividade das capas, das manchetes e das notícias publicadas e a abordagem dos editoriais influenciaram o sentimento dos entrevistados da Edelman e por dedução do resto da sociedade.

Mas quem estabelece a agenda para os meios e conduz a abordagem da cobertura? Não é de hoje que se reconhece o fenômeno da agenda-building, teoria que pressupõe uma agenda construída por fontes detentoras de informações relevantes que as usam com intuito de transformar interesses particulares em públicos. Líderes políticos e altos executivos de grandes corporações dominam a construção da agenda pública ao oferecer à imprensa informações subsidiadas, assim como os comunicadores, porta-vozes corporativos, celebridades, grupos de interesse, cientistas, advogados e juízes.

Basta abrir as páginas de jornais para se inteirar da feroz batalha de narrativas em torno da Lava Jato, com empresários investigados, altos executivos condenados e seus respectivos advogados de um lado e procuradores federais da força tarefa e o juiz Sérgio Moro de outro. Como o jornalismo tornou-se espaço de socialização dos discursos particulares e o meio de interação com a sociedade, as relações com a imprensa passaram a ser estratégicas para as organizações. Noticiar tornou-se a forma mais eficaz de agir e interferir no mundo e com ele interagir.

A imprensa é levada muitas vezes a travar uma disputa da qual pode sair de manipuladora, segundo o sociólogo Jean Baudrillard, para manipulada, segundo professor Thomas Patterson, da Escola Kennedy de Governança, na Universidade Harvard. Para Pierre Bourdieu, o jornalista, mesmo sem saber, manipula tanto quanto é manipulado no meio em que atua.

Ganha a guerra das versões quem melhor construir uma narrativa bem contextualizada e subsidiada. Por força da tecnologia das informações, que democratizou os meios de difusão de conteúdos e tornou a vida mais complexa e rica, os comunicadores, contratados para fazer a curadoria da imagem das organizações, veem-se hoje em evidente posição de vantagem sobre os jornalistas das redações.

Um dos aspectos do desbalanceamento na relação comunicador-jornalista foi confirmado em estudo publicado em 2015 pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, da Universidade de Oxford. A principal conclusão é a de que, na era digital, é cada vez menor a dependência que as empresas de relações públicas têm do jornalismo – e cada vez maior a dependência na direção contrária. “Os jornalistas são obrigados e encarar a realidade de que sem a ‘indústria de RP’, suas publicações estariam mais pobres”, afirmou John Lloyd, coautor do estudo ao lado de Laura Toogood. Na medida em que as redações reduzem seu staff – só, em 2015, foram 1.084 demissões, segundo levantamento da agência Volt -, tornam-se involuntariamente fornecedora de mão de obra qualificada para as agências de comunicação, que, em contraste, aumentam seus quadros. Reportagem do jornal “El Pais”, em janeiro de 2014, confrontou o tamanho do quadro de profissionais entre redações e agências de RP e de assessoria de imprensa. A maior delas no país, a FSB, chegava a empregar, sozinha, 650 funcionários. A “Folha de S. Paulo”, jornal de maior circulação no país, empregava 400 pessoas, nas duas publicações do Grupo – “Folha” e “Agora”.

A precariedade de quadros nas redações é tão verdade, que constantemente recebo mensagens de jornalistas admitindo essa relação de dependência em razão do volume de acontecimentos que os veículos não dão conta de cobrir por falta de pessoal. Outro dia, um setorista de um importante veículo de serviço de informação em tempo real, após receber da Rapport uma informação que poderia mexer com o mercado, comentou: “Estamos tão sem gente que sem esses toques a gente não consegue cobrir…”.

Outro item da cesta de motivos, que ascendem os departamentos de comunicação dois degraus acima das redações, foi colocado pelo professor Thomas Patterson. Em seu livro “Informing the news: the need for knowledge-based journalism”, ele afirma que a maioria dos jornalistas contemporâneos apresenta um déficit pessoal de conhecimento que a torna incapaz de assegurar condições mínimas para compreender e traduzir a profusão de eventos para bem informar o público. “A deficiência dos jornalistas é razão pela qual eles são vulneráveis à manipulação de suas fontes. Às vezes, uma fonte pode parecer desinteressada, mas com certeza os newsmakers estão tendenciando seus argumentos”, escreveu. Para Patterson, manter-se atento e desconfiado já não basta para ser um bom jornalista.

Essa condição favorável aos comunicadores tem sido decisiva para a blindagem efetiva das organizações envoltas em crises. O rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, pode ser considerado um bom estudo de caso de como a intervenção de comunicadores é capaz de amenizar estragos ao renome de organizações.

Apesar de ter sido o mais grave e sem precedentes desastre ambiental no país, a marca Vale do Rio Doce, controladora da mineradora Samarco, responsável pela barragem, sobreviveu até agora às ruinosas repercussões da catástrofe; parte pela história e solidez do grupo, parte ao bem-sucedido trabalho de gerenciamento de crise realizado por seus comunicadores na imprensa, os quais conseguiram que fossem a Samarco e seu presidente Roberto Carvalho, e não a Vale, os demonizados pela opinião pública.

Pode-se inferir que, a despeito da diversificação de canais diretos de comunicação que a era digital trouxe para as organizações, a imprensa continua imperando como formadora de opinião. O especialista em comunicação em massa J. David Kennamer tem a explicação. Ele afirma que “um dos poderes da imprensa é o de conferir status. Se um assunto, pessoa ou grupo atrai a atenção da mídia, é porque o assunto, a pessoa ou o grupo deve ser importante”.

Longe de ser um dogma, a imprensa exerce com legitimidade esse poder, porque goza de credibilidade na opinião pública e entre os empresários. Esse ativo é comprovado em pesquisas recentes como a realizada, em 2015, pela secretaria de Comunicação da Presidência da República sobre o hábito de consumo de mídia pelo brasileiro. Quase 60% das pessoas entrevistadas confiam nas notícias que recebem dos órgãos de comunicação. Já o 5º Estudo sobre as Relações Empresa-Governo na América Latina, Portugal e Espanha, conduzida, em 2014, pela agência Llorente & Cuenca revelou que mais de 78% dos empresários também acreditam na imprensa.

Anita Roddick, a fundadora da Body Shop, tinha a exata compreensão da importância estratégica da comunicação para as organizações. Segundo ela, as empresas devem ter causas e atribuir ao ato de comunicar o fim de sua atividade econômica e não o meio. Ela mesma definia a sua franquia como “uma empresa de comunicação, com especialidade no ramo de cosméticos” .

As organizações hoje têm muito claro que para se inserirem no espaço público, precisam estar na mídia – arena social pela qual constroem a representação de si mesmas e por onde as batalhas e interesses acontecem na conquista da opinião pública e para sua sobrevivência no mercado. Há uma manifesta intenção das instituições em se colocarem como referência em seu campo de atuação por meio de um constante processo de negociação junto aos órgãos de imprensa do que a organização entende como notícia.

Produzir notícia é promover imagem. Para o teórico francês Maurice Mouillaud, “a informação é uma das figuras da visibilidade”, transformando ocorrências institucionais em acontecimentos públicos. A imagem empresarial é o que está na cabeça das pessoas. Somos influenciados pela reputação de uma empresa, quando escolhemos o que comprar. Em outras palavras, a imagem competitiva lastreada pela imprensa traz resultados: ter a preferência dos clientes, aumentar lucros, alavancar negócios, atrair bons profissionais, conquistar a confiança de investidores, abrir portas, ter a boa vontade dos formadores de opinião e de tomadores de decisão e obter a tolerância da opinião pública.

A proposta de uma comunicação legítima e confiável é uma necessidade comercial dentro de um mundo interligado. Não comunicar ou não reagir pode levar a desastres financeiros, porque as opiniões orientam as políticas econômicas e as decisões judiciais, que afetam negócios e imagens institucionais.

 

*Luís Humberto Rocha Carrijo é jornalista formado na Cásper Líbero com pós-graduação em Comunicação Empresarial na USP. Instrutor de cursos de comunicação organizacional, palestrante e articulista. Com passagens nos grupos Folha e Estado, revista Exame e TV Cultura, atua como comunicador há 25 anos. Fundou a agência de comunicação Rapport há 14 anos.

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