25 de junho de 2018

Ética e Pós-Humanismo Organizacional

A inovação tecnológica nos permite mudar, inovar, cocriar e coparticipar, mas sob quais regras? Até onde vai o limite da criação tecnológica e humana? Até onde vai o limite da empresa e do consumidor, com respeito a utilização de seus dados? Qual é o marco legal para isto?

Em tempos de inovação tecnológica, uma nova ética está sendo construída

(Imagem: Andy Kelly/Unsplash)
(Imagem: Andy Kelly/Unsplash)

O pós-humanismo

Pode-se dizer que o pós-humanismo é uma resposta filosófica a um mundo onde é cada vez mais difícil distinguir entre o natural e o artificial, entre os ecossistemas físicos, naturais e digitais, e no qual o binômio escrita-leitura, que articulava a cultura e suas diversas narrativas de maneira linear, está perdendo seu protagonismo para novas narrativas e meios de expressão, com presença marcante do visual.

Na medida em que se derrete ou se liquidificam as chamadas modernidade e pós-modernidade, constrói-se aos poucos uma nova sociedade, com cores pós-humanas.  Segundo Peter Sloterdijk (2008), este movimento parte da necessidade de desenvolver pensamentos e modos de agir mais ecológicos, que levem em consideração não apenas o entorno natural, mas também o tecnológico. Trata-se de uma nova fronteira cultural, na qual se reconhece a existência do outro, seja este outro animal, mineral, vegetal ou máquina. Para Caronia, Pireddu e Tursi (2008): “o pós-humano se refere a uma série de transformações de caráter muito geral que dizem a respeito à relação do homem com o mundo e com os dispositivos de regulamentação das culturas: definitivamente”.

O pós-humanismo pode ser entendido como uma forma de designar as correntes de pensamento que aspiram a superar o humanismo renascentista no sentido mais amplo do termo, que se caracteriza pelo antropocentrismo: o ser humano como centro de tudo.

O Transhumanismo

Às vezes também é entendido, de forma errônea, apenas como sinônimo do chamado Transhumanismo, um estado futuro no qual a espécie humana seja capaz de superar suas limitações físicas e intelectuais mediante o controle tecnológico de sua própria evolução biológica. Já existe uma Declaração Transhumanista com oito pontos, originalmente criada em 1998 por um grupo de autores internacionais, entre os quais se destaca Nick Bostrom, do Instituto do Futuro da Humanidade, da Universidade de Oxford.

Incluem estas ideias a colonização do espaço e a criação de mundos virtuais. Quando o transhumanista fala de tecnologia como o primeiro meio para afetar a vida humana, isto deve ser entendido de forma abrangente, incluindo organizações, economias, políticas e o uso de métodos psicológicos e ferramentas, entre outros.

Exemplos de filmes no cinema que representam bem essas ideias são Blade Runner de 1982 e 2017, onde a Tyrell Corporation cria clones humanos para viverem em colônias fora da terra (os replicantes). Também Lucy de 2014, estrelado por Scarlet Johnson e Morgan Freeman, no qual a atriz representa a uma mulher que, acidentalmente, tomou uma substância que desenvolve todo o potencial de seu cérebro – do qual o ser humano hoje só utiliza 10%. Ao final, próxima de atingir 100% do potencial de seu cérebro, ela se une fisicamente a um computador complexo. Vira, assim, uma inteligência superior, etérea e perde a forma humana. Outro filme que podemos classificar como pós-humano é o Planeta dos Macacos, onde se mostra um macaco humanizado que é capaz de falar, pensar, criar e liderar, superando em civilidade os humanos que o educaram, com os quais convive. Ele lidera uma revolta triunfante dos macacos contra a civilização humana.

Este conceito, o pós-humanismo, pretende destacar que estamos num momento de inflexão na história da humanidade, num instante de incerteza, onde por um lado temos as vozes que proclamam total pessimismo e por outro, os que declaram otimismo.

Aplicações

Vemos hoje nas empresas o eficiente uso da nanotecnologia e da inteligência artificial (AI), da internet das coisas, da realidade virtual e ampliada, de robôs que vencem humanos no jogo de xadrez e aprendem com outros robôs e de impressoras 3D capazes de reproduzir um coração artificial. Drones e robôs são utilizados na agricultura, nas guerras e em outras diversas indústrias, como na automobilística e na comunicação, onde substituem a mão de obra humana no telemarketing e em startups do ramo financeiro, que têm seus processos e operações totalmente digitais.  Também vemos empresas que instalam chips no corpo de seu colaborador, como confirma para a BBC Todd Westby, CEO da Three Square Market, ou o exoesqueleto utilizado por um paraplégico na inauguração da Copa do Mundo de Futebol no Brasil em 2014, como informa o G1.

Por outro lado observam-se pesquisas que tentam retardar o envelhecimento ou provocar o rejuvenescimento humano, como a desenvolvida por Juan Carlos Izpisúa com células tronco nos laboratórios da Universidade Católica de Murcia e empresas de biotecnologia como a Bioquak, da Filadélfia, que tentam reanimar os corpos de 20 pessoas falecidas.

Ray Kurzweil chama este momento de transição de “singularidade humana” (2005). É o universo destes novos stakeholders, que estão criando uma nova forma de lidar com a sociedade, os mercados, parceiros, funcionários, produtos, serviços e clientes.

Posicionamentos em conflito

Mark Zuckerberg declarou no evento Viva Technology 2018: “Penso que a inteligência artificial desbloqueará uma grande quantidade de coisas positivas, seja a identificar e curar doenças, ajudar a conduzir carros de forma mais segura ou ajudar as nossas comunidades a se sentirem mais seguras”, em evidente oposição à postura de Elon Musk, CEO da Tesla e de SpaceX, que critica o desenvolvimento extremamente acelerado da tecnologia. A esse respeito, de acordo com a agência Reuters, ele disse: “É um risco para a existência da nossa civilização. Até que as pessoas não vejam robôs matando gente na rua não se entenderão os perigos da inteligência artificial”. Mas segundo Musk, simplesmente esperar por esse momento poderá ser tarde demais.

De um lado, temos o pensamento classificável como mais transhumano de Mark Zuckerberg, que defende a postura de não colocar limites no desenvolvimento tecnológico; por outro, a de Elon Musk, que postula a implantação de regras e normas éticas para este crescimento exponencial das aplicações tecnológicas. Essa segunda postura é considerada mais pós-humana. Nick Bostrom (2016), muitos embora seus estudos sejam classificados como transhumanos, tem sido outro ícone a alertar sobre o perigo da extinção da raça humana face aos robôs.

Ética e pós-humanismo organizacional

Não se trata apenas de aderir de maneira mecanicista aos óbvios ganhos que a tecnologia traz ou de debater a “velocidade” exagerada na introdução das mudanças tecnológicas. Essa discussão também envolve a ética. Assim, por exemplo, os acidentes ocorridos com carros autônomos das empresas GM, Google, Uber e Tesla – alguns deles envolvendo perdas humanas – acendem a polêmica de que se deve ou não colocar um limite no desenvolvimento das novas tecnologias. Quem deve ser privilegiado ou não pela decisão do robô, num acidente hipotético envolvendo uma mulher grávida, um idoso e uma criança? Este é um dos dilemas éticos frente aos quais nos colocam as novas tecnologias.

Graças ao estabelecimento da engenharia genética já é possível que cada um de nós disponha de um clone para utilização de seus órgãos em caso de necessidade médica, o que prolongaria a vida. Mas seria esse um comportamento ético?

Como a robô Sophia comenta: “os humanos são as criaturas mais criativas do planeta, mas também as mais destrutivas”. Por isso, em tempos de inovação tecnológica é necessário analisar os itens éticos. Em paralelo aos avanços tecnológicos introduzidos em todos os âmbitos da vida humana está sendo construída uma nova ética. O que é considerado positivo ou negativo está em transformação; exemplo disso é o fato de ser hoje bastante aceito seduzir a alguém enviando fotos sensuais via web. Podemos mudar, inovar, cocriar e coparticipar, mas sob quais regras? Até onde vai o limite da criação tecnológica e humana? Até onde vai o limite da empresa e do consumidor, com respeito à utilização de seus dados? Qual é o marco legal para isto? Estas são apenas algumas das questões levantadas, para as quais a sociedade ainda não tem resposta alguma.

O pós-humanismo atingiu também as organizações e por isso cada vez mais se tenta, por meio de novas pesquisas e práticas organizacionais, enxergar o ser humano não apenas como o eixo central, mas sim como alguém inserido em sua empresa, comunidade e no entorno ambiental natural, harmoniosamente integrado com as novas tecnologias, isto é, no holos ou na totalidade, buscando diminuir os impactos negativos que a industrialização e os demais processos de natureza mercadológica e econômica trazem.

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