25 de agosto de 2016

O velho, o menino e o burro em tempos de redes sociais

Em tempos de conectividade e criticismo, como nós, comunicadores, podemos contribuir e gerar valor para as marcas?

 

Eu estava nos primeiros anos do ensino fundamental quando fui apresentada às fábulas de La Fontaine. Posso dizer que foi amor à primeira leitura. Com sua observação perspicaz da sociedade e das relações entre as pessoas, La Fontaine deixou um grande legado para a literatura e também para os aprendizados de ser “ocidental”.

Há poucos dias, ao acompanhar mais uma grande polêmica nas redes sociais, lembrei-me de um dos textos mais célebres do autor francês: “O velho, o menino e o burro”. Imagino que muita gente conheça, mas vale um resumo. Em sua narrativa, La Fontaine conta a história de um senhor que resolveu vender um burro em outra cidade, e para lá se dirige acompanhado do neto.  Os dois seguiam montados no animal, quando foram criticados por estarem explorando o burro. O velho, então, pediu ao neto que descesse, e continuaram o caminho. Não demorou muito e outras críticas chegaram: dessa vez porque o menino seguia a pé enquanto ele estava montado. Preocupado, o velho cedeu o lugar para o menino, mas nem assim eles se livraram de reprimendas. Irritado, o velho colocou o burro nas costas, contudo, foi novamente alvo de pilhéria alheia. Por fim, ele entende que não há forma de agradar a todos, e segue o seu caminho. (Eu até hoje me pergunto como ele administrou o resto da viagem, mas essa é outra história).

Não há como negar o valor inestimável que o acesso às redes sociais trouxe para todos nós. Além de ampliar de forma inequívoca o potencial de conexão e troca, a web 2.0 pode acelerar o aprendizado a partir das experiências compartilhadas e trazer, com uma clareza jamais vista, informações e percepções acerca de pessoas e marcas. Entretanto, é possível ver o lado “sombra” dessa revolução, na medida em que também trafegam nas redes sociais boatos de toda natureza, ódio, discriminação, criticismo pelo criticismo e ondas de queixas e opiniões sobre tudo e todos. É como se tivéssemos potencializado a fábula de La Fontaine.

É bem verdade que criticismo e mensagens de ódio sempre existiram nas relações cotidianas, circulando em rodas de conversa, só que era possível, escolhendo aonde transitar, estar mais ou menos exposto a eles. Hoje, não há barreira possível entre o que se quer e o que não se quer ver. Pensamentos e comentários atravessam nossa timeline e fronteiras, ficando registrados, como uma imensa memória coletiva do nosso melhor, e do nosso pior. Como a especialista Martha Gabriel costuma dizer, “as pessoas esquecem, a internet, não”.

Aonde vamos parar? Muito cedo para dizer. Talvez a primeira geração de nativos digitais esteja pronta para essa resposta. Nosso papel como Comunicadores Empresariais nesse mundo?  Somos portadores de vozes dos diferentes interlocutores, e, portanto, devemos agir dentro da organização como um agente de transformação, trazendo insights e informações baseadas numa análise criteriosa do que se ouve e do que é dito, possibilitando à organização evoluir. Nesse sentido, manter processos claros e ágeis de monitoramento das redes sociais, além de plataformas de diálogo on e off-line são fundamentais. Por outro lado, como somos Comunicadores Empresariais, devemos traduzir e facilitar a compreensão das iniciativas das organizações para os seus diferentes públicos, pautando nossa atividade diária na construção de valor para a marca à qual servimos. Precisamos conhecer profundamente o negócio da organização para a qual trabalhamos, incluindo não só seus produtos e diferenciais, mas também dilemas e desafios.  Organizar todo esse conteúdo em mensagens críveis e compreensíveis é um dever.

Atuar em Comunicação Empresarial em tempos de web 2.0 exige de nós mais agilidade e capacidade de escuta /análise de sentimentos e percepções – lembrando que não há como “agradar” a todos. Por outro lado, desde que estejamos comprometidos em fazer o certo, há sempre como agir de forma ética e respeitosa, dialogar com tolerância e ser uma força para o bem comum. E esse, é o melhor lugar para nós estarmos.

 

Nota: JEAN DE LA FONTAINE (1621-1695) – Poeta e fabulista francês, autor das “Fábulas Escolhidas” (1668) e “Fábulas” (1694) reunindo fábulas do autor.

 

* Os textos que publico nesse espaço não podem ser considerados posicionamentos da C&A a respeito dos temas tratados.

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