01 de julho de 2020

Marcas ativistas: um caminho sem volta

A indignação deu o tom das manifestações públicas que surgiram nos Estados Unidos e espalharam-se pelo mundo após George Floyd, um homem negro, ser assassinado pela polícia de Minneapolis. A nova vítima de violência policial americana deflagrou reflexões públicas sobre o racismo. Cidadãos de algumas cidades portuguesas juntaram-se ao movimento, associando esta bandeira à defesa da dignidade humana. Nesse primeiro mês desde a morte de Floyd, muitas empresas levantaram a voz contra o racismo. Nem todas foram bem percebidas. Acusadas de hipocrisia, acabaram enquadradas entre os que tentavam tirar algum proveito da situação por não estarem genuinamente envolvidas na causa antirracista. Em Portugal, ainda é incipiente o número de marcas ativistas. São raras as empresas que se posicionam publicamente sobre questões sociais, ambientais ou políticas. Talvez seja uma questão de tempo, visto que esse é um caminho sem volta. O desafio não é tanto começar, mas preparar o terreno para que essa voz se levante com coerência e autenticidade.

Estamos aqui a tratar de uma tendência impulsionada por exigência dos consumidores, pela necessidade de atrair e reter talentos, pelo envolvimento das comunidades onde atuam as empresas e pela relevância de construir credibilidade e reconhecimento em torno do negócio. Mais e mais pessoas esperam que as empresas contribuam positivamente para a sociedade. E não apenas com doações ou investimentos pontuais em ações de Responsabilidade Social Corporativa (RSC), mas em causas legítimas, alinhadas com o propósito das organizações e de forma contínua. Sem transformações duradouras, não há progresso.

Em 2018, pesquisa realizada pela Edelman em 35 países mostrou que 64% dos consumidores recompensariam marcas que consideram engajadas em algum tipo de ativismo. E a tendência desse índice é aumentar. O combate à pandemia mostrou-nos dois caminhos trilhados pelas empresas engajadas: a solidariedade e a reinvenção do negócio. Ambos, válidos por comungarem do propósito de reduzir os danos durante a crise, serão cobrados pela sociedade. Já está a chegar o tempo de perguntar o que essas empresas fizeram quando mais precisamos delas? E esse movimento terá continuidade?

Acredito que sim. O impacto social que as empresas geram será o novo lucro. É fundamental que as organizações adotem em suas estratégias e práticas empresariais iniciativas destinadas à melhoria das condições da sociedade, que beneficiem a comunidade onde está inserida e a própria empresa, ao despertar nos colaboradores o orgulho de pertencer, fortalecer a marca e gerar mais negócios. As empresas que tornam pública a sua legítima preocupação com a comunidade conseguem incrementar os níveis de confiança junto dos consumidores.

Sobre os recentes movimentos antirracistas que tomaram conta do mundo, a grande maioria das empresas portuguesas mantiveram-se isentas sem arriscar posicionamentos contundentes. O debate público sobre a questão racial vem ganhando espaço e defensores em Portugal desde o ano passado. Surgiram histórias sobre o racismo estrutural e toda discriminacão que impede o progresso rumo a uma sociedade mais solidária e justa. O que mais mobilizou as empresas foram os insultos que o jogador de futebol Moussa Marega, do FC Porto, sofreu durante a partida em Guimarães, em fevereiro.

A história desencadeou uma série de iniciativas antirracistas. A que mais se destacou foi a das empresas de cerveja Sagres e Super Bock. As duas marcas concorrentes aliaram-se em uma campanha contra o racismo no dia seguinte e apareceram, lado a lado, com o slogan “Contra o racismo, não há rivais”. Conquistaram uma vaga de elogios pelas redes sociais com internautas positivamente surpreendidos pela união das cervejas mais vendidas em Portugal em torno desta luta. Isso já faz quatro meses.

As empresas e entidades que pretendem adotar causas em suas estratégias de RSC precisam estar atentas ao movimento para não parecerem oportunistas. A coerência com o propósito da organização e a consistência das ações são fundamentais nesse processo. Antes de adotar esse posicionamento externo, mercadológico ou institucional, é preciso, por exemplo, fazer o dever de casa, envolver os colaboradores, promover o debate e buscar suporte técnico para que as ações tenham legitimidade. Caso uma dessas pontas esteja solta, o risco de causar danos à imagem e à reputação será imenso.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Sandro Rego

Sandro Rego é CEO da Priori, agência de comunicação em Portugal dedicada a causas e projetos de impacto social. Foi general manager da FleishmanHillard e executivo de Comunicação do Banco Safra, Grupo Boticário, Bunge e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Foi eleito Comunicador do Ano no Prêmio Aberje 2014. Atualmente vive em Portugal e é o editor da seção "Also in Portuguese" da BRpr, newsletter internacional da Aberje.

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