30 de junho de 2015

Lições das prisões de empreiteiros

Copyright Correio Braziliense – 30/06/2015

Há 30 anos, a Rhodia publicou um plano pioneiro de comunicação anunciando que o comunicador não era um mero distribuir de releases, mas um protagonista estratégico nas organizações empresariais. Hoje, à palavra estratégico deve-se acrescentar, também, que o comunicador é aquele que lê os horizontes políticos e, como os antigos conselheiros, orienta as organizações privadas e públicas quanto à mudança dos tempos e das vontades. O episódio das recentes prisões dos presidentes das construtoras Odebrecht e Andrade Gutierrez, além de presidentes e executivos das principais empreiteiras do País, evidenciam tal realidade.

Não se trata de julgar antecipadamente os presos na Operação Lava-Jato, mas do complexo exercício de aprendizado das novas questões que surgem no cotidiano da comunicação brasileira. No caso das prisões da Lava-Jato, fica claro que a realidade e os modelos de negócios caminharam em direções opostas. As empreiteiras se viram sitiadas pela sucessão de denúncias de corrupção que afloram na esteira dos escândalos que abalam a Petrobrás, mas nem quando as prisões começaram a se suceder ocorreram tentativas claras de informar a sociedade e clarificar erros. Pelo contrário, uma das protagonistas do episódio adotou estratégia de enfrentamento com as autoridades, negando qualquer envolvimento. Primeiro em carta aos funcionários, e depois da prisão do seu presidente, com a divulgação de extensa carta-manifesto na mídia.

Seriam os caminhos corretos?  A leitura da realidade sugere que o confronto não constrói a moderna narrativa da comunicação. Caminham em terreno minado aqueles que acreditam ser possível reagir à tempestade legal da natureza a que se assiste nos dias atuais com frases institucionais do gênero “estamos colaborando com as autoridades”, “colocamos-nos à disposição das investigações”, traçando estratégias que não preveem cenários à frente ou fechando-se em silêncio. Esse tempo passou. As leis anticorrupção se tornaram, a cada dia, mais severas e, o que é igualmente revelador, a opinião pública vem se manifestando com crescente veemência contra a impunidade, o que fica facilmente visível não só nas diferentes mobilizações, mas na arte. Basta ver que na novela Rebu, da Rede Globo, os envolvidos na trama de um misterioso assassinato eram empreiteiros e que na atual novela Babilônia uma empreiteira pratica abertamente corrupção para conquistar objetivos.

Se a ficção imita a realidade, soou o momento de ouvir a voz das ruas e curvar-se aos novos tempos. A democratização, que avança em passos acelerados, está a exigir mudanças de largo alcance na comunicação. As organizações precisam ouvir seus comunicadores e deles extrair a vasta experiência acumulada ao longo de cerca de meio século. Quando a Rhodia publicou Plano de Comunicação alertando para o novo papel do comunicador, em 1985, o Brasil estava internacionalizando negócios e a abertura democrática avançava, o que culminou numa nova Constituição e na prática de eleições diretas em todos os níveis de poder. Nos dias atuais, assiste-se um novo salto à frente. A sociedade, a partir da base, anseia por mudanças. Sobretudo, mudanças estruturais, bandeira a exigir, como desdobramento, mudanças na forma de fazer comunicação. Não é por coincidência que, nas novelas, ricos estão sendo presos e que a lei, antes restrita aos pobres, passa a valer para todos.

Essa metamorfose repercute, sem qualquer dúvida, na comunicação. Não se trata de um retorno ao imperativo kantiano da ética do compromisso e da responsabilidade, mas de algo bem mais simples. Torna-se indispensável que a organização faça a coisa certa porque é o correto e que as responsabilidades não comecem e terminem na criação de empregos e renda. É inescapável ir além e construir relações efetivas em que empresas de portas abertas e transparentes sejam, de fato, aquilo que dizem ser em suas metanarrativas. A distância entre o discurso e a realidade não deve se ampliar, mas se reduzir até que um seja o outro. Paul Ricoeur, em Tempo e Narrativa, parte do princípio de que as atitudes, ditas ou expressas em atos, organizam nossa presença no mundo. Isso faz com que uma organização seja uma organização principalmente pelas suas micronarrativas. Antes, podia ser uma questão de escolha. Agora, é uma necessidade inescapável, a demarcar os limites entre a adaptação ou extinção no novo ambiente político.

 

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