17 de março de 2017

A Carne fraca e as diferentes narrativas

CARNE

A Operação Carne Fraca, deflagrada nesse mês de março pela Polícia Federal, denunciou irregularidades praticadas em gigantes do setor frigorífico brasileiro como a BRF (Sadia e Perdigão) e a JBS (Friboi, Seara e Swift). Como resultado foram lacradas algumas unidades de abate e presas 38 pessoas, entre elas Roney Nogueira dos Santos, diretor de relações institucionais da BRF. Imediatamente, os setores de comunicação das companhias entraram em ação para tentar relativizar os problemas e mostrar idoneidade aos consumidores. As empresas veicularam comunicados nos grandes jornais e nas TVs ressaltando a qualidade dos produtos.

Do lado do governo veio a crítica ao que considera exageros da operação, a defesa dos empregos dessa cadeia produtiva e a ênfase no viés patriótico do país que abastece o mundo com proteína animal. O presidente Temer reuniu especialistas e criou uma “sala de crise”, convocou embaixadores e terminou em um rodízio de carnes posando para fotos com espetos de picanha. O Ministro da Agricultura, Blairo Maggi, criticou a “narrativa” da operação Carna Fraca. Segundo ele, a Polícia Federal poderia ter consultado o ministério sobre pontos considerados irregulares, mas que são práticas comuns ao setor. Deu a entender que iria punir fiscais corruptos, mas que houve certo apelo mediático na comunicação da operação policial. Exageros a parte é inconcebível funcionário de frigorífico ter a senha do fiscal da certificação, assim como empresário que troca a etiqueta de produto vencido ou coloca aditivos que mascaram o prazo de validade.

Mesmo com todos os esforços do Governo e das companhias frigoríficas, a queda nas ações dessas empresas foi inevitável. Em um único dia os papéis da JBS perderam 10,59% e os da BRF 7,25%. Na semana seguinte Chile, África do Sul, México, Japão, União Europeia, China e Hong Kong (os dois últimos, os principais importadores) suspenderam a importação da carne brasileira. Corrupção para fraudar produtos, irregularidades sanitárias e o teor das conversas interceptadas marcaram a percepção dos consumidores. No décimo dia, após o início da operação, seis frigoríficos haviam sido interditados e 18 mercados internacionais adotaram algum tipo de restrição à entrada de carnes brasileiras.

Outro problema, que chamou a atenção do público e viralizou, ocorreu em uma das cenas do filme de 60 segundos da Friboi. Na campanha, assinada pela Lew’Lara\TBWA, um close da peça de carne revela validade de 11 de maio de 2013. O print da cena ganhou as redes sociais, com narrativas em tom de repúdio. A JBS soltou comunicado afirmando que “o filme foi produzido a partir de imagens de arquivo” e que “a campanha prevê novas versões e atualizações…”.

A empresa já sofria críticas pelo benefício excessivo do dinheiro público, dentro da proposta de formar os “campeões nacionais”, se mostrando recordista em doações eleitorais. No início do mês, a Operação Greenfield da Polícia Federal prendeu Mário Celso Lopes, ex-sócio da Eldorado Celulose, empresa do grupo J&F que também controla a JBS. A prisão apura um contrato de R$ 190 milhões firmado entre a Eldorado e uma empresa de Mário Celso. O MPF investiga o envolvimento dos sócios em gestão supostamente fraudulenta no Fundo de Investimento em Participação Florestal, que recebeu aporte de R$ 550 milhões dos fundos de pensão Petros e Funcef. Agora esses fundos preveem perdas de R$ 1 bilhão devido à sociedade com a Eldorado Celulose.

Já a BRF surpreendeu o mercado quando anunciou, no início do mês de março, perdas de R$ 372 milhões em 2016. A inspiração de ser a “Ambev dos alimentos” – com ampla reestruturação corte radical dos custos, globalização dos produtos e fortalecimento de marcas – começou em 2013, com a chegada de Abílio Diniz ao comando. Porém, como o primeiro prejuízo da sua história e o buzz gerado pela Carne Fraca, a empresa terá que promover criativas campanhas de comunicação para reverter os danos e também reforçar a operação agroindustrial para retomar os lucros.

Tanto a JBS como a BRF detém marcas que desfrutam de alta credibilidade e são comercializadas em vários países. Estão entre os maiores anunciantes do país, com campanhas de comunicação de marca invejáveis. Desde 2013 a Friboi tem um robusto trabalho de comunicação que demandou milhões de reais em investimentos e popularizou a marca na mesa dos brasileiros. Com o ator Tony Ramos como protagonista, ressaltava que a marca é uma garantia de carne confiável.

No ano seguinte trouxe o cantor Roberto Carlos em um de seus filmes comerciais. Porém, o questionamento sobre os hábitos alimentares do Rei da música levou muita gente a rejeitar aquela narrativa. Iniciativa mais recente e impactante foi a estratégia de branded content com a Globo.com que criou a plataforma Academia da Carne, reunindo chefs de cozinha e apresentação de Ana Maria Braga.

A JBS também contratou, ineditamente, Fátima Bernardes para a campanha publicitária da Seara. Desde 2014 ela se mantém como o rosto oficial da marca a fim de conferir maior credibilidade aos produtos.

Pelo lado da concorrente BRF, a marca Sadia sempre reiterou qualidade como um item diferencial em seus produtos. O “S”, símbolo da marca, sempre foi bem trabalhado como slogan de produtos sadios que congregam valor e credibilidade. Já a Perdigão, outra marca da BRF, o investimento publicitário foi nos apresentadores Luciano Huck e Angélica para endossar a qualidade dos presuntos, linguiças e salsichas da marca.

A pecuária do Brasil é tão gigante como as empresas que estão sendo punidas. A área de pastagem é de 170 milhões de hectares, onde fica o maior rebanho comercial do mundo, gerando mais de 7 milhões de empregos. Setor importantíssimo, cuja imagem saiu arranhada. Mas, como dizem nos ditados, é preciso dar nome aos bois e separar o joio do trigo. Ter a credibilidade questionada é algo desafiador para qualquer empresa, especialmente por aquelas que investiram muito em Comunicação / Marketing e conquistaram o público consumidor.

A estudiosa da cultura organizacional Carolyn Taylor, autora do livro Walkig The Talk e diretora do instituto que leva seu nome, acredita que não podemos apenas culpar os outros pelas crises institucionais. Para ela a cultura de uma empresa é, em certa medida, consequência da cultura de um país.

A discussão é pertinente no Brasil, especialmente frente à fragilizada econômica que vivemos e a crise moral de parte da elite brasileira que está no banco dos réus. Nesses tempos de Lava Jato, de deputados que querem mudar o processo eleitoral para lista fechada e de incertezas do consumidor brasileiro, o livro de Carolyn seria muito boa leitura para políticos, alguns desses funcionários públicos e os empresários da carne fraca.

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