07 de agosto de 2019

A Força da Resiliência e do Aprendizado no ambiente de Crises Corporativas

Estou finalizando meu ciclo na Samarco e posso afirmar que saio dessa experiência com muito aprendizado e gratidão pelas oportunidades que tive em vivenciar situações inusitadas, difíceis e desafiadoras. Deixo a empresa com a convicção que contribui para que ela se tornasse mais resiliente e preparada para continuar superando a crise com humildade e respeito às pessoas.  Uma organização que teve a capacidade de reconhecer que alguns modelos mentais tinham que ser revistos e assim desenhar uma nova jornada, uma nova Samarco, que está buscando caminhos para seguir em frente.

Nesse artigo vou abordar a força da resiliência no ambiente de crises corporativas e o exercício de aprender com erros e acertos. Também a partir de muitas experiências vividas, vou compartilhar alguns conceitos e práticas de como as organizações podem prevenir ou estarem mais bem preparadas para enfrentar e sobreviver a crises corporativas.

Resiliência é uma palavra proveniente do latim, do termo resiliens, que significa “voltar ao estado normal”. Na prática, podemos defini-la como a capacidade que algumas pessoas têm de enfrentar e superar suas dificuldades, crescer com elas e seguir em frente ainda mais fortes.

E no ambiente corporativo? Podemos definir que resiliência é a capacidade de empresas e instituições desenvolverem habilidades para superar dificuldades e crises, aprender com essas situações e seguir em frente.

Um pouco da minha jornada na Samarco

Há três anos e oito meses aceitei o desafio de atuar na maior crise ambiental e social do Brasil à época. Era 5 de novembro de 2015 quando a barragem de Fundão, de propriedade da Samarco Mineração, situada na região de Mariana, Minas Gerais, se rompeu abruptamente, deixando danos incalculáveis à vida das pessoas e ao meio ambiente.

Assim como a maioria dos brasileiros, soube da notícia pelos telejornais, daquele dia fatídico, que mudou a forma de como o cidadão brasileiro passou a conhecer e perceber o mundo da mineração.

Três semanas após o rompimento, recebi um telefonema de um headhunter me convidando para atuar como gestora nessa crise. Confesso que fiquei assustada e muito sensível a toda a situação. Afinal, aquele desafio se conectava muito com o meu propósito de trabalho que sempre foi utilizar estratégias de comunicação e de relacionamentos a favor de uma causa, contribuir para amenizar o sofrimento das pessoas, construir e reconstruir narrativas e histórias.

Estava finalizando o projeto na Jeep em Pernambuco, experiência única que vivi no norte do Estado, mas essa história contarei em outro momento.

Dia 15 de dezembro de 2015 me despedi dos amigos jornalistas de Pernambuco e dia 16 estava em Belo Horizonte iniciando uma jornada que certamente mudou o meu olhar sobre crise, e em especial sobre Resiliência.

Vivemos nuances diferentes dentro das várias fases e facetas de uma crise única e complexa. No primeiro ano, o desafio foi estruturar processos de comunicação e relacionamento, responder às milhares de demandas da imprensa, implementar uma estratégia digital que desse conta de dialogar e buscar soluções às questões de centenas de pessoas que não tinham acesso direto à empresa. Também assumimos a tarefa de desenhar, mapear e implementar uma plataforma de stakeholders, que respondesse as questões com base no sistema de integridade da companhia.  Hoje essa plataforma está sendo integrada ao uso da inteligência artificial com interações e relações cada vez mais dialógicas. E quando falo em relacionamentos, tenho vivenciado e aprendido ao longo da minha trajetória que a comunicação, o diálogo, o envolvimento e o engajamento se conectam ou se desconectam por meio da qualidade e intencionalidade de como são praticados os relacionamentos.

Em muitas conversas com uma socióloga brilhante que tive a honra de trabalhar, Denise Peixoto comentou que “A gente apanha, sofre, suporta e às vezes até quebra mesmo. Mas por meio do diálogo, entendendo a relevância do outro e das nossas relações nos lugares que estamos e atuamos, e construindo possibilidades, de forma colaborativa, eu estou certa que jamais voltamos às nossas formas originais, nos transformamos e transformamos o mundo em que vivemos. Realmente ficamos melhores e mais fortes”.

Aprendizados e Modelos Mentais

Aprender é a parte mais humana desse exercício e é o que faz dele uma oportunidade. É a parte também que não se faz sozinho. E, nesse sentido, a comunicação e o diálogo são disciplinas e processos fundamentais. Já disse Paulo Freire: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

O aprendizado como um movimento reflexivo e transformador de olhar para si e para o outro – falar, escutar, se rever, inovar e propor soluções – pode ser o resultado mais concreto da colaboração que as organizações podem promover e capitalizar como recurso de efetividade, de gestão de mudança e, principalmente, de compartilhamento de valor com a sociedade.  Onde todos os atores ganham: a empresa, a comunidade e toda a sociedade envolvida com aquele produto e/ou oportunidade de negócio. Os futuristas apontam que o valor compartilhado é como uma onda renovadora no capitalismo, o famoso “capitalismo consciente”, e uma das grandes formas de levar significado e propósito para as empresas dentro da Nova Economia.

Quanto mais nos propomos a aprender, maior a possiblidade de aumentarmos nossa resiliência e nossa capacidade de entender quais modelos mentais podem levar uma empresa a permitir determinadas situações ou comportamentos. Segundo Peter Senge, “modelos mentais são pressupostos profundamente arraigados, generalizações, ilustrações, imagens ou histórias que influenciam à nossa maneira de compreender o mundo e nele agir”.

Em outras palavras, são os modelos mentais de cada indivíduo que definem como ele irá perceber o que está acontecendo à sua volta, como irá se sentir com isso, como ele pensa e, finalmente, como irá agir.

Trazendo isso para o ambiente corporativo, os modelos mentais que fazem parte da cultura de uma organização e que na maioria das vezes são completamente invisíveis, podem levar uma organização ao sucesso e ao insucesso. Assim como mudamos ao longo da vida, as empresas também precisam se adaptar, aprender e rever seus modelos mentais, suas crenças que podem ser limitantes ao seu crescimento. São aqueles pressupostos que sabemos que estão na organização, mas não sabemos como nasceram e nem como influenciam nas decisões de negócios.

Os exemplos acima nos mostram que as crenças estabelecidas, muitas vezes, estão no DNA das organizações. Como líderes, temos que estar atentos, do contrário podemos entrar em estado de inércia.  Muitas organizações têm seus modelos mentais tão arraigados na cultura, que não conseguem perceber o peso dessas crenças nas decisões diárias das lideranças das empresas.

Nesse último ano de Samarco, pude contribuir num processo verdadeiro de aprendizagem organizacional. Momentos de intensa reflexão que se desdobraram no redesenho da estratégia de comunicação e relacionamento dentro de um conceito sistêmico e integrado, onde os relacionamentos com os públicos passaram a ser o centro das nossas ações e os processos passaram a ser contributivos à qualidade, intensidade e frequência com que os relacionamentos se estabeleciam.

Gerindo a comunicação e os relacionamentos de forma sistêmica e integrada

A prática do compartilhamento das lições da crise também foi outro caminho para seguir em frente. Quanto mais falávamos do que estávamos vivenciando, a força da escuta era aprimorada e rapidamente fazíamos as nossas rodas de conversa, assimilando os inputs e revitalizando nossa estratégia e as ações.

Vivemos num contexto onde as crises não escolhem mais setores. Elas simplesmente ocorrem e, na maioria das vezes, os impactos são complexos e avassaladores do ponto de vista reputacional, social, financeiro e ambiental. Crises deixam marcas profundas nas organizações e na sociedade. Portanto, revisitar sempre os seus modelos mentais de forma coletiva e estratégica, certamente vai contribuir para dar visibilidade às questões que podem ser abandonadas, outras revisadas e criadas.

Isso traz maturidade para a o ambiente organizacional, e provoca reflexões que escapam das reuniões e encontros de planejamentos estratégicos e desenhos de plano de negócios. Crises não são boas, mas podem ser oportunidades de reinventar as empresas, gerar novos negócios, criar empresas melhores, mais sensíveis e colaborativas.

 

Concluo minha reflexão convidando vocês para compartilharem seus inputs e experiências que venham ao encontro do que foi exposto. Aqui tentei expressar um pouco da minha experiência na gestão da crise da Samarco, e agreguei outras perspectivas da minha história em muitos outros ambientes corporativos e em diferentes culturas que trabalhei.  Em breve escreverei sobre Reputação, Confiança e Transparência em situação de crises.

Os artigos aqui apresentados não necessariamente refletem a opinião da Aberje e seu conteúdo é de exclusiva responsabilidade do autor.

Rosangela dos Santos

Executiva sênior de gestão de mudanças e crises, comunicação estratégica, diálogo social e relacionamento institucional. Com 30 anos de experiência internacional e em diversos segmentos da indústria, liderou nos últimos três anos a Gerência Geral de Comunicação, Reputação e Desenvolvimento Socioinstitucional da Samarco Mineração, integrando o time que coordenou uma das maiores crises reputacionais, sociais e ambientais do Brasil. Rosangela é formada em Filosofia/Letras (Univille/SC) e em Comunicação (FAE/PR). Possui MBA em Gestão na FGV (SP) e Comportamento Organizacional na Unicemp/PR. Foi diretora da Aberje Sul e integra o Conselho fiscal da entidade há 20 anos.

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